Têm sido muito lentos, como o são geralmente as mudanças culturais, os caminhos da descentralização e da territorialização da educação, em Portugal. Num tempo em que o Estado estava ainda a braços com a implantação do modelo escolar em todo o território e para todos os portugueses, ousou-se começar a agendar mudanças políticas neste domínio (anos 80do século XX). O que acontece é que se começou a evoluir em círculo ou, quando muito, em espiral. Não se pode dizer que entre os anos 80 (primeira legislação sobre “autonomia das escolas” e primeiras transferências de competências para as autarquias) e a atualidade tenham decorrido três décadas perdidas. Não, os passos dados, embora lentos, com avanços e retrocessos, rodopiando algumas vezes sobre o mesmo ponto, pois se prescreveram remédios sem avaliar a verdadeira doença, foram sempre passos em diante. Se com todos eles procurarmos aprender, já é muito bom. E a investigação em educação, tal como este número da RPIE documenta, desempenha esse papel: por entre a retórica política transbordante, ajuda-nos a tomar consciência dos pequenos avanços, das persistentes resistências, dos nós estruturais que não mudam, dos anseios que sistematicamente são defraudados. Os Conselhos Municipais de Educação, que não existiam, apesar de ainda muito incipientes, são uma pequena escola de participação democrática na educação e de “governação local da educação”. Os Conselhos Gerais dos Agrupamentos Escolares e Escolas, que também não existiam nos anos 80, tendo passado por formulações várias, são hoje igualmente “escolas” de participação social na educação e de debate conjunto de alguns dos problemas que afligem as escolas e respeitam a educação das crianças e jovens portugueses. Não existiam os “contratos de autonomia”, pese embora a sua lógica interna, tão inconsequente em termos de real autonomia escolar, nem existiam os Centros de Formação de Associação de Escolas, nem os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária, nem as Atividades de Enriquecimento Curricular, fortemente dinamizados pelas autarquias e
outras entidades locais. Não existiam as “cartas educativas”, como instrumentos potenciais de real “coordenação local da educação”, nem os municípios queriam ser “cidades educadoras”, apesar do quanto esta designação vai à frente da realidade alcançada no que respeita ao envolvimento sociocomunitário na educação. Os municípios, após os primeiros passos na interação com a administração central da educação, passaram a ocupar um papel muito relevante, como é o caso do “Programa Aproximar Educação”, que engloba, desde 2015, numa experiência-piloto, um pequeno grupo de municípios portugueses, através da celebração de novos “contratos interadministrativos”, de quatro anos de duração. A atenção à periferia e aos seus problemas, se não constitui a nova forma de esconder as crescentes dificuldades e limitações com que o modelo centralista, uniformizador e burocrático se debate, em contramão diante das novas necessidades da governação da educação, ajuda a perceber duas coisas muito importantes: (i) que doenças do centralismo é mesmo preciso combater e ultrapassar e (ii) que a autonomia das escolas, num quadro descentralizado da administração da educação, requer mais ousadia política e requer propostas bem mais coerentes do que aquelas que têm sido até hoje colocadas no espaço público. Esta tendência para a descentralização sem reordenar toda a administração da educação leva alguns autores a lembrar que o local não é o local dos milagres que irão superar os problemas educacionais que o centro não quer e não consegue resolver. E é mister lembrar também que nenhum governo ousou, nestes quarenta anos, alterar substancialmente o quadro da administração da educação, reestruturando quer a lógica dominante e o modelo de ação vigente, quer o quadro em que se exerce a autonomia das escolas e dos professores. Acresce o facto de nenhum partido político concorrente às eleições legislativas de 2015 ter apresentado um quadro coerente e articulado de medidas para o campo da administração da educação que permitam ultrapassar as debilidades até hoje abundantemente expostas. E como não existem “think tanks” onde os partidos se possam inspirar, estamos bastante limitados quanto às possibilidades de inovação e melhoria, restando a pouca investigação realizada nas universidades. As recentes tendências para a re-centralização da administração e para a governação por plataformas eletrónicas não são indícios de inversão do caminho até hoje percorrido. É bem provável que, na pior das hipóteses, continuemos a descrever círculos quase concêntricos ou que, na melhor delas, continuemos a avançar lentamente, aprendendo com os erros e com os bons resultados. Dada a experiência internacional e os resultados da investigação feita em Portugal, não havia necessidade. A educação de um povo é demasiado importante para se enredar nesse modo tão canhestro de caminhar. Este número da RPIE traz-nos também uma importante colaboração de autores brasileiros, o que nos apraz muito sublinhar. Queremos aumentar este espaço de cooperação, no quadro da lusofonia e do mundo ibero-americano. Afi nal, todos temos a aprender com todos, dentro da casa comum que somos, sobre este belo planeta azul.
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