A Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa celebra, este ano letivo de 2018-2019, 50 anos de existência. Tendo iniciado a sua atividade em Lisboa, em 1987 estendeu-se a Braga e ao Porto, onde deu continuidade a dois Institutos de Teologia, que por seu turno foram criados a partir dos respetivos Seminários Maiores. A estes três centros da Faculdade estão ligadas três revistas científicas de teologia: em Braga, a revista Theologica, criada há 53 anos no contexto do Seminário Maior, tendo depois sido assumida pelo ISTB (Instituto Superior de Teologia de Braga) e, mais tarde, pelo respetivo núcleo da Faculdade; no Porto, a revista Humanística e Teologia, iniciada no âmbito do ICHT (Instituto de Ciências Humanas e Teológicas) há 39 anos, depois igualmente assumida pelo respetivo núcleo da Faculdade de Teologia; em Lisboa, a revista Didaskalia, fundada diretamente pela Faculdade de Teologia há 48 anos. Depois de algumas décadas de trabalho conjunto destes três centros da única Faculdade de Teologia em Portugal, concluiu o respetivo Conselho Científico que seria vantajoso reunir as três revistas numa só, concentrando os esforços de todos os docentes e colaboradores da Faculdade e orientando-a pelas exigências internacionais da difusão da investigação científica hoje em vigor. Assim nasce, com este primeiro número, a EPHATA, Revista Portuguesa de Teologia. Em rigor, «renasce» na continuidade de todo esse legado, assumindo a forma própria de acordo com as novas exigências, transportando as tradições dos anteriores periódicos para um contexto que se pretende mais vasto, sobretudo pela internacionalização, que será facilitado pela sua colocação em acesso aberto, na rede. Manteremos uma edição em papel, para envio aos assinantes e para permutas com parceiros. De facto, cada uma das três revistas possuía um corpo de assinantes considerável, com os quais continuará a contar esta nova revista, sem alterações de grande monta. Confiamos que continuaremos a merecer o interesse e o envolvimento de todos, para a manutenção e possível alargamento de uma verdadeira comunidade de leitores. O termo de origem hebraica ephata é-nos conhecido, sobretudo, a partir do texto de Mc 7,34, no episódio da cura do surdo, cujos ouvidos se abriram e passaram a escutar, precisamente depois de Jesus ter pronunciado essa palavra. Do seu uso na tradição hebraica – nomeadamente na forma futura ephtah – é interessante a passagem de Job 31,32: «Nenhum forasteiro teve que dormir na rua, pois a minha porta estava aberta para os peregrinos.» Estamos, pois, perante um termo que significa, evoca e até provoca abertura. Abertura dos ouvidos, para escutar; abertura do que é próprio, da casa, para acolher o diferente. Em ambos os casos, a abertura para Deus, escutando-o e acolhendo-o, mede-se na abertura dos ouvidos e da porta de casa para o outro humano, sobretudo para o estrangeiro. A teologia, como «ciência da fé» assume-se, aqui, como processo de abertura, que escuta e acolhe. Escuta e acolhe Deus, escutando e acolhendo o outro. E o seu discurso «sobre» Deus é, sempre, um discurso humano na escuta e no acolhimento de outros discursos humanos. Discursos por vezes estranhos, estrangeiros, que é necessário escutar com atenção para compreender. Esse é o processo hermenêutico de sempre. Processo exigente que não se resolve por qualquer pronúncia mágica de um nome, mas que implica a dedicação quotidiana de muitos. O nome Ephata evoca, aqui, um programa e uma tarefa, não a solução de um problema. O programa e a tarefa de atenção ao estranho, ao diferente, nunca termina e implica ouvidos abertos, como sinal de mentes abertas ao que possam aprender do outro. O primeiro número de EPHATA pretende ser representativo desta abordagem ao trabalho teológico, apresentando por isso alguns eixo – não todos – da interdisciplinaridade universitária, com impacto significativo na elaboração contemporânea do discurso teológico. A abrir este número, propõe-se uma possível leitura do trabalho teológico, em contexto especificamente universitário, mas por isso mesmo em articulação com o seu contexto sociocultural e especificamente eclesial. Embora não se pretenda com essa proposta esgotar a compreensão da teologia, a aproximação apresentada não deixa de se encontrar em certa sintonia com o programa da revista, na medida em que se pretende em permanente articulação com modalidades do discurso não estritamente teológicas. Na sequência dessa compreensão, apresenta-se uma sistematização de fundo sobre o lugar da teologia no seio da universidade atual, proposta por um dos mais conhecidos teólogos brasileiros, Mário de França Miranda. Pela sua experiência cultural, universitária e eclesial, amplamente reconhecida em múltiplos contextos, a leitura proposta pode ser assumida como programa orientador. Segue-se uma reflexão de fundo, apresentada pelo teólogo mexicano Carlos Mendoza-Álvarez, sobre o presente e o futuro das epistemologias, sobretudo no âmbito das humanidades, enquanto campo de trabalho teológico especializado. Em rigor, trata-se de uma especialização ao serviço do quotidiano, pois procura enfrentar o problema do futuro do planeta e dos humanos nele enquadrados. Após este enquadramento inicial, os estudos dedicam-se a aspectos da teologia marcada pela relação a diversas outras áreas de estudo. O teólogo argentino José Carlos Caamaño propõe uma releitura da relação da teologia com a história, na perspetiva da relação da teologia com a temporalidade, o que permite enquadrar a historicidade do discurso com a história da teologia, a teologia histórica e a teologia da história. O teólogo e antropólogo português José da Silva Lima, propõe-nos uma reflexão sobre a relação da teologia à realidade social concreta, através da sua relação com os estudos sociais, nomeadamente nos campos da antropologia, da sociologia, da etnografia, etc. Trata-se de uma relação imprescindível ao conhecimento da realidade em que realmente vivem os humanos. Em certa proximidade com esta perspetiva, mas tratando sobretudo o campo religioso, o teólogo e cientista da religião brasileiro João Décio Passos propõe-nos uma reflexão sobre a relação complexa entre teologia e ciência da religião. A já considerável experiência do debate sobre esta relação, no contexto do Brasil, pode ajudar, sem dúvida, contextos como o nosso, em que o assunto é menos debatido. O teólogo brasileiro Alex Villas Boas propõe-nos uma síntese do seu intenso trabalho sobre a relação da teologia com a literatura, sem dúvida um dos campos mais férteis para a hermenêutica da fronteira na atualidade, uma vez que a literatura representa, de forma especial, a articulação do humano na sua imensa variedade. Aprofundando a aproximação ao humano e aos seus mistérios, o teólogo e psicanalista espanhol Carlos Domínguez Morano propõe uma leitura da possível aproximação entre teologia, psicologia e psicanálise, campo sem dúvida essencial para a reformulação de muitos aspectos do discurso teológico. Concretizando a aproximação do discurso teológico a outros discursos sobre uma realidade comum, surge-nos o contributo de Lucia Vantini, teóloga italiana, aliás a única teóloga deste grupo. Poderia não ser assim, tendo em conta o crescente número de mulheres a escrever teologia. Mas, de facto, essa contingência não premeditada é reveladora, por si mesma, da importância do tema abordado: precisamente o lugar da mulher na teologia, como modo de aproximação do discurso teológico às propostas cada vez mais intensas dos denominados Gender Studies. Alargando a concretização da aproximação entre campos epistemológicos algo diversos, o teólogo português a trabalhar no Canadá, Ângelo Cardita, apresenta uma leitura da relação entre o trabalho teológico e o já vasto campo de estudos denominado, genericamente, como Ritual Studies. É evidente que este volume não esgota as interdisciplinaridades importantes para a teologia. Apenas pretende fornecer exemplos de campos possíveis, como motivação para a publicação que se inicia e que se espera venha a ser um contributo considerável para a dinamização dos estudos teológicos académicos, em Portugal e nos espaços privilegiados da sua relação, e que, desse modo, possa servir os nossos contemporâneos, seja em que contexto for, pois é para isso que existe a própria universidade e a prática científica.
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