Tratando-se de uma obra que procura trazer para primeiro plano as dinâmicas que se criam nas relações entre os diversos atores envolvidos no Sistema de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Portugal, o seu lançamento só poderia ser na forma de um debate.
Contando com a generosa participação de quem estuda ou lida diariamente com esta realidade no terreno, abordaram-se alguns dos desafios e temas que se enfrentam e que poderão interessar a qualquer pessoa preocupada com o valor da infância.
O evento decorreu na Universidade Católica Portuguesa (UCP), em Lisboa, e foi transmitido em direto por Zoom. Em qualquer altura poderá ver a gravação disponibilizada no canal da Livraria UCP – UCEditora, no YouTube.
Como surgiu este livro?
Na abertura do debate, a Professora Rita Francisco começou por explicar que a ideia de reunir todos estes textos nesta publicação foi-se “construindo como uma conjugação de duas oportunidades”.
- Por um lado, o trabalho conjunto com a Professora Helena Rebelo Pinto “no âmbito das atividades do Instituto de Ciências da Família, onde tinham muitas dissertações de mestrado desenvolvidas no âmbito dos contextos familiares de risco”, de grande qualidade e que poderiam ser muito pertinentes para os profissionais desta área.
- Por outro lado, a responsabilidade de, enquanto Academia, desempenharem um “papel ativo na compreensão do problema, no seu estudo, na identificação de recomendações e diretrizes que pudessem melhorar a intervenção que é feita”. Isto numa altura em que surgiu a oportunidade de iniciar a Pós-Graduação em Sistema de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens na FCH-UCP e foi constatada a escassez da bibliografia existente sobre este tema.
Promover a proteção de Crianças e Jovens contra a exploração e o abuso sexual
por Rosário Farmhouse (CNPDPCJ)
Uma problemática que a moderadora, Professora Rita Curvelo, introduziu referindo que a maioria dos casos de abuso de crianças acontece dentro de casa e que o “agressor é geralmente o chamado adulto de referência”.
A palavra foi então dada à Doutora Rosário Farmhouse, questionando-se de que forma “é que alguém exterior a esta família pode defender ou proteger estas crianças?”
Citando a convidada, este livro “vem mostrar que o sistema de promoção e proteção somos todos nós, e cada um de nós pode fazer a diferença na vida das crianças e dos jovens”. Acrescentou que “podemos ajudar, estar atentos aos sinais e podemos comunicar situações que achamos que são de perigo” para qualquer criança que esteja à nossa volta.
Sobre a obra, referiu que “acaba por ser uma ferramenta extraordinária”, estando construída de uma forma, tanto conceptual como empírica, que ajuda muito “cada um de nós enquanto cidadãos e cidadãs, mas também todos os atores do sistema”. Deixou-nos ainda um conselho relativo à atuação perante uma suspeita de abuso sexual:
A partir do momento em que a criança ganha confiança connosco para nos dizer que alguma coisa aconteceu, não duvidar da criança; e é a polícia que tem de fazer a investigação de se é verdade ou é mentira. Se não for verdade, também tudo se resolve.
A privacidade e as relações positivas, refletindo-se sobre como podemos preparar os jovens para protegerem a sua privacidade e a ganharem consciência das “fronteiras não podem ser ultrapassadas” pelos adultos à sua volta.
O estatuto social e os maus tratos, recordando-se que “pode haver maus tratos e abusos” em quaisquer classes sociais e condições económicas, sendo um problema social transversal e independente das qualificações académicas dos pais.
A exclusão social e a saúde mental, um tema introduzido pela moderadora citando o convidado Doutor Rui Godinho (SCML): “atualmente, o maior problema da exclusão social já não é tanto a pobreza, mas sim a questão da saúde mental”. Foram então abordadas as políticas promotoras de saúde mental que podem ser criadas e o papel que a comunidade pode desempenhar nesta matéria.
A exposição abusiva das crianças online, por um lado motivada pelo crescente acesso à Internet por parte das crianças, mas também decorrente de algumas práticas dos pais que promovem a exposição dos seus filhos em plataformas digitais, nomeadamente em campanhas publicitárias e em histórias publicadas em blogues e redes sociais, cujo impacto no futuro das crianças envolvidas é completamente imprevisível.
A reflexão estatística sobre os dados do relatório anual de avaliação da atividade das comissões de proteção de crianças e jovens, que revelam a comunicação de “mais de 41 000 situações de perigo, com destaque para a violência doméstica” a essas comissões em 2020, um ano marcado pela pandemia da COVID-19.
O trabalho da CNPDPCJ durante a pandemia, que tudo fez para o continuar, porque “nenhuma criança pode ficar para trás, mesmo em pandemia”.
Acolhimento familiar
por Rui Godinho (SCML)
O último tema do debate foi apresentado pelo Doutor Rui Godinho, que começou por referir que, “em Portugal, não temos acolhimento familiar, temos um resquício do acolhimento familiar lá de trás”.
Continuou dizendo que a Santa Casa da Misericórdia estava a lançar o seu sistema de acolhimento familiar precisamente quando veio a pandemia. Na altura já tinham mais de vinte famílias inscritas para receberem formação, mas, com o fecho total obrigado pelo confinamento, tudo parou. Contudo, foi possível prosseguir por via online, o que até acabou por permitir acelerar o processo de avaliação das famílias candidatas.
Assim, o processo de avaliação e formação das famílias de acolhimento passou a ser realizado em formato híbrido, com duas sessões presenciais e as restantes online, um sistema vantajoso para os técnicos e para as famílias.
Hoje superámos largamente o nosso objetivo. Tínhamos previsto 100 famílias em quatro anos e, em menos de dois anos, já temos mais de 70 crianças em acolhimento familiar.
Ficou a mensagem de que se trata de um instrumento fundamental para a proteção de crianças em risco, mas que é também extremamente exigente do ponto de vista da sua implementação. Foram ainda abordados os grandes fatores de sucesso, em termos de reintegração familiar, da Casa dos Plátanos, apresentada no Capítulo 7 da obra lançada neste evento.
Sobre este tema, o Doutor Rui Godinho referiu que, embora o acolhimento residencial não seja considerado a melhor opção, a estratégia passou por “conferir o máximo de normalidade ao funcionamento da casa”, pois o nível de exigência deve ser sempre grande e baseado na máxima de que:
Aquilo que não serviria para os meus filhos, não serve para estas crianças.