Revista Portuguesa de Investigação Educacional n. 11 (2012): Territórios educativos de intervenção prioritária
Num contexto de crise económica e de aumento acelerado das desigualdades e das desiguais oportunidades sociais, a educação escolar continua a constituir um importante elemento das políticas públicas e da ação das famílias, tendo em vista uma adequada integração social e a manutenção de vínculos sociais e de combate à exclusão. Esta pertinência é ainda mais oportuna quando, ao mesmo tempo, o país quer promover a universalização do acesso ao nível secundário de ensino e de formação. Como será tal desiderato viável num tal contexto? Este número especial da nossa Revista é, pois, muito oportuno e está focado no ponto que mais importa conhecer em profundidade, para lá das luzes da ribalta. As chamadas políticas de “territorialização da educação” geraram, entre outros elementos, as denominadas “intervenções prioritárias” em alguns territórios sociais, em Portugal como em vários outros países ocidentais, tendo em vista combater a exclusão e o abandono escolar e promover o sucesso dos alunos, mobilizando as comunidades locais e a integração dos vários grupos sociais neste esforço comum. Estes territórios (entre nós mais de cem) foram escolhidos por serem espaços urbanos e periferias suburbanas com evidentes “bolsas” de pobreza e até de exclusão social, onde era maior o desemprego e havia mais difi culdades de integração de alguns grupos sociais muito específi cos, como, por exemplo, os imigrantes e os ciganos. Volvidos vários anos e passadas várias reformulações do modelo de ação, é mister verifi car, com base em vários relatórios de avaliação, referidos ao longo destas páginas, que a “intervenção” é registada como globalmente positiva, que se conseguiu melhorar os índices de abandono, o clima escolar e os níveis de indisciplina, que houve até vários contextos onde melhoraram os níveis de sucesso escolar. Também se constatam difi culdades sobretudo quanto ao envolvimento das escolas/agrupamentos com as comunidades locais e quanto à melhoria das práticas pedagógicas tendentes a ensinar e fazer aprender todos os alunos, incluindo aqueles que são oriundos de famílias com maiores problemas de pobreza e até de exclusão social. Muitas questões se levantam à investigação em educação, neste caso muito particular, à investigação acerca das políticas educacionais. Estes “territórios” e esta “intervenção prioritária” são defi nidos por quem, com que intenção, querendo atingir que objetivos? Os próprios “territórios educativos” que envolvimento tiveram nessa escolha e classifi cação? Ao criar o conceito e ao classifi car estes territórios como de “intervenção prioritária”, pelas piores razões, conhecidos a partir daí como os TEIP, promove-se a sua integração social ou incentiva-se o seu afastamento ou “engavetamento” numa taxonomia que deixa mais tranquilos os políticos, sossegados os diretores das escolas/agrupamentos que não fazem parte destes territórios e calmas as respetivas “comunidades” e, no limite, até as próprias escolas “intervencionadas” e as suas “comunidades”? Dizer TEIP é, na realidade, muito mais doce do que dizer exclusão social, pobreza, desemprego, abandono escolar, violência, etc.; onde queremos chegar com este deslizamento semântico? Ao criar o conceito de “território educativo” e ao atuar sobretudo sobre a escola, quando estão em causa realidades sociais muito complexas, estamos a promover que modelo de ação social e política? Ao focarmos a ação sobre a escola/agrupamento e os seus protagonistas, enriquecendo os recursos escolares, as suas “armas”, estamos a comunicar que sentido da ação sociocomunitária e política, tendo em vista promover uma melhor integração socioeducativa de todos os cidadãos? Isolar os problemas, as terapias e as ações serve, neste contexto, que propósitos? Estas e outras questões, pela sua pertinência e acuidade, devem continuar a ser colocadas sobre a mesa e aprofundadas, sem medo, pois escondê-las em nome da necessidade de deixar prosseguir a ação, porque urgente, em nada nos ajudará a melhorar a qualidade da sociedade que estamos a edifi car, mais aberta, mais democrática e plural, mais intercultural e integradora, com lugar para a dignidade de todos e de cada um. Parece bem claro que os maiores sucessos alcançados se referem a intervenções e ações contínuas de escolas que investiram, com o mesmo entusiasmo e conhecimento específi co, tanto na melhoria das práticas pedagógicas, tendentes a acolher e a fazer aprender todos, promovendo diferentes tipos de excelência escolar, como na integração territorial da escola e na interação entre os membros das comunidades “afetadas”. As intervenções no 1.º Ciclo e no Ensino Secundário são agora particularmente relevadas, o primeiro porque nele contém os alicerces da aprendizagem escolar, o segundo porque agora se legisla como universal e obrigatório, o que representa um novo e importante desafi o social. A formação permanente dos docentes e dos vários atores sociais locais, uma formação que deveria estar muito envolvida e embebida na ação, o alargamento da oferta formativa e a criação de novos cursos nas escolas/ agrupamentos TEIP, a reformulação dos processos de ensino e de aprendizagem, de modo a promover melhores oportunidades de aprendizagem real para todos, porque elas espelham e convidam a uma melhor integração social, bem como as melhorias organizacionais tendentes a fazer das escolas espaços sociais mais espaçosos, com lugar para todos os cidadãos, são apenas alguns dos veios de preocupação-ação para onde nos orientam vários resultados de pesquisa. Duas realidades mais se cruzam na complexa teia das políticas sociais, com destaque para o centro que nelas estamos a conferir à educação escolar, e que merecem ainda uma referência: por um lado, como se articulam, dentro dessa parafernália de ações políticas separadas e verticalizadas sobre cada território, os atores sociais, as instituições e os profi ssionais, exatamente aí, em cada território, e exatamente lá, a nível central, em cada definição de política? Isto para já não falarmos em in-articulação, ou seja, para lá da articulação entre medidas dos campos da educação, da solidariedade social e da justiça, que dizemos do cruzamento das ações entre programas- -ações do campo específi co da educação? Por exemplo: o Programa “Mais Sucesso Escolar”, que se foca sobre a melhoria das práticas pedagógicas, que é que tem a ver com os TEIP? E os problemas que os TEIP combatem não reclamam, em última análise, em termos de educação escolar, a mesma terapia que o programa “Mais Sucesso Escolar” quer atacar e ajudar a resolver? E daí? Por outro lado, a criação de novos cursos, tipo “currículos alternativos”, “cursos de educação e formação”, “cursos profi ssionais”, dentro destas escolas/agrupamentos, tende a ser vista como a tábua de salvação que vem resolver, agora sim, as enormes difi culdades de trabalhar em conjunto e em rede, para ensinar e fazer aprender todos, sem mudar grandemente as práticas pedagógicas tradicionais (ou seja, aquelas que são desenvolvidas como se houvesse um aluno só, um só tipo de grupo social...). Ora, a criação desta solução de “limpeza” do terreno escolar, criando uma gaveta mais ou menos escondida para os meninos e meninas que não aprendem como os outros, não será uma iniciativa aproveitada socialmente do mesmo modo como se aproveita a criação dos TEIP para resolver as inúmeras difi culdades de integração social em algumas comunidades? A saber, criando continuamente, como caixas de bonecas russas, soluções à parte, para grupos à parte, com cursos à parte, para meninos à parte, tendo sempre em vista, é claro... a inclusão social e a “escola inclusiva”? Continuemos a investigação, repensemos as políticas e melhoremos a ação, pois de tudo isso bem precisamos.
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