Revista Portuguesa de Investigação Educacional n. 12 (2012): Supervisão, colegialidade e avaliação

Overview

Os professores portugueses são hoje profi ssionais perdidos numa imensidão de mares nunca antes navegados, que são as escolas de hoje, os únicos e últimos templos sociais de acolhimento de todos os cidadãos, sem exceção. Por isso, e por muito mais, alguma literatura lhes chama “quase-profi ssionais”. De facto, os professores são profi ssionais com graves problemas de identidade profi ssional, sempre a obedecer desajeitadamente a ordens superiores que os mandam fazer agora de um modo e amanhã do modo contrário, profi ssionais desgarrados uns dos outros e desenraizados dos seus locais de trabalho, práticos que enfrentam, com práxis isoladas e irrefl etidas, problemas de todo o tipo, que entram de chofre, sem bater à porta, pelas salas de aula dentro. Muitos professores ainda se pensam como profi ssionais por serem donos exclusivos deste sagrado naco, a sala de aula, a dita “caixa negra” da escola, mas ela já há muito que também deixou de ser deles, ela é dos alunos, que dela se assenhorearam, cada vez mais diferentes e estranhos, cada vez mais indiferentes e adversos, cada vez mais dependentes e titubeantes. Socialmente despojados de quase tudo, desmantelados como classe, os professores de hoje têm-se remetido para um ressentimento resignado, um fechamento revoltado e inconsequente na sala de aula, uma triste antecipação das reformas, a fuga nconformada para casa e para os fóruns virtuais de inglória lamentação pública. A passagem política do acolhimento de todos ao ensino efi caz de cada um, ou seja, o alcance por todos e por cada um dos conhecimentos e das competências que estão consignados, é o que a sociedade mais deseja que a escola faça e faça bem. Mas é exatamente aqui que a escola mais falha. Mas, com profi ssionais assim, como podem as instituições escolares cumprir a sua missão sociocultural? Nenhuma instituição pode funcionar com este perfi l de profi ssionais, muito menos funcionará uma instituição de ensino que se quer de todos e de cada um, neste mar cultural tão tormentoso, como é a sociedade portuguesa de hoje. Muito pouco se tem feito, no espaço público, para valorizar e dignifi caros professores como profi ssionais autónomos e responsáveis. Sucessivos governos alteram normativos e orientações no sistema de ensino, mas ninguém investe neste vetor crucial, a não ser para destruir e desvalorizar o pouco que subsiste de dignifi cação de um dos mais duros trabalhos sociais de hoje, como se fez com o processo de avaliação de desempenho. Neste contexto, é muito pertinente e oportuno este número da Revista Portuguesa de Investigação Educacional, pois nunca foi tão necessário como hoje, na história da educação escolar, em Portugal, fortalecer e recriar a profi ssionalidade dos professores, como um dos esteios mais sustentáveis de instituições de ensino que funcionem ao serviço de uma sociedade democrática e justa, que valoriza a educação e a cultura das suas gentes. Mas como? Mas quando? Mas com quem? Com estes... e estas... e este...? Sim, tem de ser aqui e agora, tem de ser neste tempo e neste lugar, o que requer muita disponibilidade pessoal, muita abertura de horizontes, muita coragem e determinação no rumo que refaça a autonomia e a profi ssionalidade destes “especialistas de ensino”, como aqui lhes chama Maria do Céu Roldão. E isso passará tanto por refazer a formação inicial dos professores, como por recriar as práticas profi ssionais em contexto de trabalho. De profi ssionais do medo, do medo que lhes entrem pela sala de aula dentro, do medo que invadam a sua privacidade profi ssional, do medo que sejam injustamente avaliados por pares ou por superiores, do medo que outros os venham ensinar a ensinar, do medo que... há todo um demorado trânsito a empreender, percorrido pelos seus próprios pés, o caminho consistente e progressivo de uma profi ssionalidade responsável, autónoma, que só pode ser igualmente colaborativa. Só sendo assim esta profi ssionalidade será socialmente reconhecida como tal. De nada vale esperar futuras contemporizações dos atores sociais para com um pré-reconhecimentos dos professores como profi ssionais! Não devemos esperar mais do que o reconhecimento, que é um ato social que resulta de camadas e camadas de informação e conhecimento, forjado por milhares de pequenos «agir» profi ssionais que revelem essa nova profi ssionalidade por parte dos professores. A serpente em que o sistema educativo português está enrolado e asfixiado precisa de ser combatida não só com desejos, mas com ações concretas, ainda que socialmente envolventes e prolongadas no tempo, e comclaro vislumbre de efi cácia, capazes de gerar algum consenso e sobretudo compromissos sociais duradouros. Investir tempo, pesquisa, diálogo e dinheiro neste fulcro da ação da política educacional só pode gerar bons frutos, a médio prazo. Basta olhar para os sistemas educativos que melhor desempenho social apresentam e lá está ou esteve quer o inequívoco e intencional investimento político na qualifi cação profi ssional inicial e em serviço dos professores, na valorização social do seu bom desempenho, quer a eleição pelos próprios professores da melhoria do seu desempenho profi ssional como o melhor serviço que se prestam a si próprios e a toda a sociedade que servem publicamente. O sempre retomado caso da Finlândiaé também aqui que repousa, quer num trabalho consistente e persistente de reforma da formação e da seleção dos professores, que já leva cerca de quarenta anos, quer numa confi ança social nos professores, baseada exatamente no seu profi ssionalismo. O consenso político entre empresários, políticos e professores e educadores permitiu não só definir rigorosamente o que é um ensino de qualidade, como investir ao longo de várias décadas na dignifi cação da mais importante profi ssão de toda a sociedade, criando níveis muito elevados de performance profi ssional. A supervisão, se ao serviço do reforço da capacidade refl exiva e colaborativa, pode representar hoje uma importante estratégia de afi rmação da autonomia profi ssional dos professores, de construção de conhecimento profi ssional e de melhoria da qualidade do ensino. Fica aqui abundante e diversa refl exão sobre este tema. Nunca como hoje foi tão necessário um plano de desenvolvimento profi ssional dos professores para os próximos trinta anos, aprovado na Assembleia da República e que seja levado persistente e decididamente até ao fi m, pois só ele pode melhorar sustentadamente a qualidade e a equidade da educação escolar que temos e que tantos tão ansiosamente desejamos. E acredito nisso, porque conheço e acredito nos muitos professores que são hoje profi ssionais da esperança.

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Product Details
978REV0135

Data sheet

Date
01-2012
Edition
Publisher
UCP | Porto
Pages
294
Kind of product
Book
Language
Portuguese
Thematic Classification
Arte e Humanidades
Revista
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